quinta-feira, 29 de março de 2012

"Deixe seu relógio que eu quero saber

Quanto tempo falta para lhe esquecer

Quanto vale um homem para amar você

[...]

Nossa relação acaba-se assim

Como um caramelo que chegou ao fim

Na boca vermelha de uma dama louca"


Eu não lhe contei, mas quando aparecestes na porta da minha casa, eu estava completamente nu, aos farrapos. A casa em si não conservava nenhum resquício de um lar. Haviam depredado todas as entradas, roubado os móveis, e por pura piedade me conservaram imóvel numa poltrona velha, da qual durante anos não saí. Eu não lhe contei, mas havia feridas enormes embaixo de minha pele e cicatrizes profundas nos meus olhos. Coisas que não lhe contei quando surgiu. Deixei que entrasse, que olhasse toda a sujeira, e se divertisse com a excentricidade do lugar. Não podia imaginar que avidamente percorresse todos os cantos, inclusive aquele vão onde guardava as lembranças dos raros dias felizes de outrora. Não podia supor que atingiria meu corpo, meus vícios, descobriria prazeres que eu nem sabia existir. Então pensei em decorar a fachada, reformar os movéis, comprar cortinas novas, assoalho, um lustre, flores para a mesa de jantar que nunca tive. Pensei até em organizar uma festa, sair aos domingos, criar um animal qualquer de estimação. Pensei em conhecer o Chile, adotar uns filhos, ser mais gentil. Comprei até uns livros do Neruda, ouvi uma músicas de Mercedes Sosa e enquanto fantasiava o que prepararia para o jantar, percebi que você só havia passado algumas horas, me tocado por uns minutos e que havia partido sem nem mesmo eu conseguir me despedir.