terça-feira, 28 de junho de 2011

"Meu primeiro amor,
Foi como uma for que
desabrochou e logo morreu"

Eu queria ter sido mais consciente, ter contido os pulsos, ter travado os dentes e poupado as palavras. Se houvesse negligenciado as emoções, os olhares, teus toques displicentes no meu corpo, a tua ausência na minha nuca que ainda te espera. Poderia ter me conservado como antes, anarquista, desleixado, deslumbrado com pequenos detalhes, com passeios bobos. Hoje você não está mais nesta sala vazia de poltronas enormes e braços longos. Eu sou apenas esses braços solitários, objeto trocado na multidão, com as expectativas sempre em baixa. Sou agora, sem você, suas lembranças, suas músicas, seus comentários, seus vídeos, suas piadas, os seus. E eu me perco de mim, me encontrando no seu esterótipo, sendo exatamente aquilo que gostaria que fosse. Sou público, ácido, meo puta. Um tanto isento de compromisso, de solidariedade, de consideração. Hoje me sinto pedra, me sinto gelo, me sinto teu coração. E respeito os transeuntes, as avenidas, respeito o movimento. Passeio pelo perigo, me ofereço como troféu a qualquer elogie meus olhos, trave minha cintura, gaste versos ao meu ouvido. Eu acredito em todos, pois você me fez descrente, me fez forma, me fez norma. E se sorrio bonito, se sou arrastado pelos braços e causo ciúmes alheios, se reinvento amizades é por pua soidão. Essa falta ainda me castiga o peito, e sem você sou só abismo, cratera. Apesar de aceitar a vida, aceitar meu corpo, potencializar as energias, apesar de mudar o placar, de vencer nessa corrida louca de bestas desgovernadas, aqui dentro ainda há alguém que grita teu nome, que te deseja e te quer

quarta-feira, 22 de junho de 2011

"De suas palpébras...
Nós.. Nós batíamos as pálpebras.
Chamava-se a isso piscar.Um pequeno
relâmpago negro, uma cortina que cai e
se ergue: deu-se a interrupção. Os olhos se
umedece, o mundo se anquila"
Sartre

Por
que eu piro quando pisca. Desejando não ser apenas um cumprimento, trivial como todas as saudações, banal como todos os amigos. Porque a piscada para mim é convite, é desejo fermentado, solidão declarada. É sexo futuro, beijos presentes. É olhar interrompido, morto, estatelado pela vontade de chafurdar em amor, em gozo. Eu te gozo em mim. Ansiando por uma conversa, um cigarro dividido, a droga na mochila - quando há de me chamar? - Eu imagino. O seu, nosso, desejo fantasiado. Porque quando passa e pisca, eu sou cratera. Um chão em declive, uma erosão. Sou apenas caco, à espera. E umedeço os lábios, mordo a língua, te desejo na garganta. Há de chegar? Os meus dedos se retorcem, pedem para navegar nos teus cachos, no teu rosto, para se perder nas tuas costas. Eu te convido, com as unhas nos dentes, para deitarmos em qualquer lugar, enquanto te ouço ao pé do ouvido, essa voz arisca, esse riso debochado. Te ouço e sou apenas ouvinte. Fecho os olhos e você sussurra, sussurra, sussurra, sussurra em mim. Em mim se faz rei, monarca, déspota. Em mim, um latifundiário! E eu sou apenas chão. Alegre por você piscar um dos olhos como quem lança uma granada no meu colo. E eu explodo, me despedaço, grito. Eu imploro: passas por mim e pisca, pisca, mais uma vez.

domingo, 5 de junho de 2011

Manifesto ao teatro III*

Eu sei, senhor teatro, que o senhor anda cansado das minhas reclamações. Sei que o senhor anda compactuado com aquele cara que dizia sobre mim para todo mundo "É até talentosinho, mas nunca está feliz, reclama de tudo!" E acrescentava mais alguns xingamentos. Mas "hoje sou eu que estou te livrando da verdade, te livrando"**. Hoje eu me canso, Sr. E não é uma despedida, jogar tudo pelos ares, desistir. Quem escolhe esse caminho não o abandona jamais. O primeiro cara que se apresentou para mim como Ator, me disse uma coisa que nunca esqueço " - Quando se namora o teatro, você pode até largar, mas quando é paixão de verdade, danou-se, é para vida inteira". E eu sei que é: para toda a vida. Hoje eu sei que esse cara não é tão respeitado, que as pessoas o evitam, que ele não é feliz. Mas eu nunca duvidei da gana, do amor, da necessidade que ele tem dessa coisa chamada Teatro que não sei explicar o que é. Mas que bate uma canseira danada. Canseira de ouvir que pessoas que poderiam estar construindo comigo tem que trabalhar oito horas diárias num shopping center fodido! E que outras são apenas deslumbre, salto babado, e me encharcam de descompromisso, vaidades, falta de tempo. Cansado de ouvir as mesmas pessoas falando as mesmas coisas sem saber de onde vem o pogresso. Cansado e irritado de ouvir opiniões sem cabimento, de ver pessoas sem ter para onde correr - como eu!. Cansado de ouvir o seu nome em vão senhor, como justificativa para deslizes, como convite para agradáveis situações. Cansado de orar sozinho numa estrada pedregosa, sem reconhecimento, nem lenço, nem documento. Cansado de carregar coisas nas costas, de abusos de poder, de portas cerradas. Cansado de escrever documentos, subir ladeiras, me alimentar mal, ouvir pessoas tediantes, pasar por cima de alguns orgulhos, enfrentar os medos - sim eu quero meus medos de volta! - Cansado de ainda não saber que caminho seguir, para que lugar fugir, quais alianças fazer. Cansado das ironias finas, das invejas sorrateiras, dos dementes. Cansado de saber que é apenas um cansaço e que logo há de passar.

*é apenas um desabafo, qualquer semelhança é mera coincidência
** Ana Cristina César

sábado, 4 de junho de 2011

Para um amigo antigo....

Eu te quero bem. Assim, mesmo após todo o tempo - meus erros, os teus, ponteiro que não se cruzam - Mesmo que você nem se importe: eu te quero muito bem. Com todos os advérbios, adjetivos, complementos, termos integrantes, acessórios, com todos os acessórios. Eu te quero como uma gramática: normativa, cerceadora, chata. Um bem proveniente de um mal supremo. Porque eu acredito que teus potenciais poderiam te levar além, mas você optou pela escuridão e eu respeito. Porque você me ensinou a cair e a achar belo o tombo, me ensinou o desdém e o des-vínculo. Me mostrou como a minha insegurança é um cartão de visitas para a devassidão, o fracasso, a dor. Porque você acreditou em mim quando nem eu sabia. Você foi pai, guru, amigo, professor. Um pouco irresposéval, grosseiro, charlatão. Mas um amigo: presente, inquietante, marcante. Eu sei que você não aceita palavras bonitas, arroubos de declaração. Você não permite o belo viver, bater asas, criar rumos. Você é imundo! Você é sujeira e só! Mas as tuas imundices aos poucos foram me contaminando e hoje, não sei te tirar de mim. Você há de existir para sempre como uma influência devastadora. Uma dessas pessoas que a gente lembra nas noites de ócio, ódio, horror. Coisas que você ensina. Mas mesmo assim, queria que você soubesse e achasse bacana essa minha declaração rota. Eu te quero bem!