quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O teu nome me é próprio


Se não for para doer, para quê? Para quê amar? Para quê gostar de você se passar a não doer? Se apenas eu passar a amar? Se eu gosto desse desgosto de continuar a te querer mesmo com o passar. do tempo.  E já faz tanto. tempo. Que eu gosto de sofrer, que eu gosto de amar. Há mar. Há muito mar nesse amor que não passa nem pondo o coração na brasa, sangrando. Sangrando, eu sei gostar, sei amar, sei amarrar as ideias, e sei fazer da escrita- resgate. Te amando, eu deixo a pieguice toda para o dia a dia e a única parte que fica é o meu olho em busca do teu olho preto que se desloca agilmente nesse imenso branco que sobra na sua face. Puro labirinto. Perdição. Foi tentando te olhar nos olhos que o Saramango inventou a cegueira leitosa. Foi tentando te olhar nos olhos que os poetas – e os profetas – se inspiraram em desgraças. Teu olho é o olho do furação – minha desgraça, meu desafeto, a eterna solidão. Eu te amo, idiota. Com a incerta certeza que eu preferia não sentir nada. Para quê? Para não sofrer? Para vegetar. Para plantar begônias e ver como elas amam suas congêneres, para me contentar com a punheta diária, com os amores alheios babacas, com os babacas que não entendem esse jogo que é te amar. Um jogo onde eu sempre me fodo no final. O jogo que consiste em te olhar à espera. De que você olhe dentro do meu olho-misericórdia meu olho-cachorro-abandonado meu olho-sem-graça-sem-cor-sem perdição. Meu olho-babaca que sempre te olha e espera a derrota que é o teu olho me olhar.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

                                                                                                                            e ele não voltaria nunca. Enrolou um baseado nos dedos e prometeu em silêncio, nunca mais amar. Ele enrolou um baseado nos dedos calmamente, desesperançado. Ele enrolou um baseado nos dedos e se preocupou apenas em desamar. Assim, como quem cultiva um verbo. Assim, como quem apenas cultiva, ele foi desamando. Primeiro as cartas, depois as músicas, as roupas e os últimos arranhões na pele. Ele desamou qualquer lembrança, qualquer fato, qualquer cubículo onde se amaram. E dolorosamente acendeu o baseado e foi prometendo nuncamaisnuncamaisnuncamaisnuncamaisamor. Prometeu durante o tempo em que o fogo se estendia pela seda e queimava a erva e soltava a fumaça, ele foi prometendo enquanto expirava a fumaça. Ele foi prometendo e se perdeu nas promessas. E aos poucos foi comprometendo o futuro, as outras pessoas, comprometeu o sexo, o desejo, comprometeu o amor. Palavra riscada no amontoado de dor. O amor, palavra idiota em que acreditou. Palavra insana. E desejou que o amor fosse apenas uma palavra em aberto. Puro significante infértil. Esperou que assim como o amor foi, o amor cedesse, e se esgotasse. Assim como todo baseado que é tratado, aprisionado entre os dedos e acaba se transformando em cinzas. Esperou que o amor terminasse: pura cinza inútil.                                                                                                                   e o amor findou.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sem ar...

porque eu assisti um espetáculo
de teatro com nome de aula de química
e eu ainda não digeri nada.
Minha avó era asmática e eu me lembro de tê-la visto durante suas crises tentando incessantemente conter o ar dentro do peito. Minha vó tinha crises respiratórias terríveis, e sempre ficava internada, enfiavam agulhas dentro da sua pele e ela cuspia um caldo grosso e verde do qual eu tinha um nojo e imaginava as consequências terríveis de enfiar a mão dentro do recipiente onde ela colocava momentaneamente seus excrementos. Minha avó era uma mulher que viveu pouco, mas deixou marcas profundas naqueles que com ela conviveram. Mas minha avó não dançava. Pelo menos eu nunca a vi dançar. Ela sempre foi aquela mulher que trazia em si toda a imagem de liderança, respeito, e passava horas sentada numa cadeira de balanço - similar a um trono onde sentam as rainhas europeias. Eu sempre dancei. Desde criança pulava, ou estava no meio das rodas de dança. E durante minha pouca existência já dancei axé em festa infantil, macumba em espetáculo teatral, rock na areia da praia, tango improvisado em salas vazias, já pulei feito pipoca atrás do trio.  E quase todo o final de semana quero sair para algum lugar e dançar, dançar, dançar, dançar, dançar, feito a menina da música da Marisa Monte. Mas eu nunca dancei bem. Na verdade eu nunca dancei  satisfatoriamente.  E a dança eu não sei se era uma ânsia, ou apenas o desespero do peito. A verdade que além do sangue dentro da gente, a minha vó e eu tínhamos o mesmo desespero pelo ar que nos falta. Não, não herdei as crises respiratórias, mas herdei todas as outras crises. De sonho impossíveis, ideais utópicos, necessidades extravagantes, e de espaço, espaço, espaço. E com o passar dos anos, a cidade foi ficando pequena, a mente das pessoas ao meu lado foram ficando pequena, os livros foram ficando pequenos. E eu comecei a buscar o ar em drogas, garrafa de vodka, amores heterossexuais. E as minhas crise se tornaram patológicas e eu cansei de dançar. Minha avó não dançava, agora eu compreendo, lhe faltava o ar. Eu não danço, agora compreendo, me falta o ar.
 
 
 
 

sábado, 6 de outubro de 2012

Aos amigos que sumiram...

Sumi, também. Dei um tempo. Perdi as esperanças na espera e resolvi me jogar em caminhos que não sei onde vão dar. Conheci tanta gente, tanta. E algumas delas me olham com olhos de expectativa. Muitas delas, agora, não me deixam encostar a cabeça no sofá e esperar doer. Larguei os amores, a prostituição, as drogas, permaneço apenas com o vício de me repetir. Fui atrás de ser mais humano, de ouvir os anseios, de projetar. Corri atrás de outros sonhos e me aluguei para sonhar tal qual a personagem do Gabriel García Marques. E deixei a saudade num canto, junto ao mofo, as roupas sujas e aquele livro do Tolstói que ainda não li. E fui - coração em desalinho - seguindo. Fui deixando  os amores sem resposta, o corpo sem cuidado, catei os restos e trancafiei as feras no armário! Acho que cresci! Dou respostas, pego responsabilidades nas costas e às vezes ainda me pego repetindo assim: "Pode deixar, tudo vai dar certo e a gente vai ser feliz". Minto. A lacuna permanece, mas eu apenas não deixo ela ocupar todo o espaço. Ao lado, deixo o sorriso do menino que se espanta com as possibilidades, o alívio de quem desabafa com uma cadeira, e as lágrimas de quem sente uma saudade da gota serena, e me faz lembra de vocês. E vou vendo que em outros corpos, em outros planos eu me realizo também. Vou vendo que nem sempre é possível estar perto e a gente tem que se contentar com o que tem. Respiro melhor, e se a escrita está fraca é porque as manhãs estão ricas.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Sim, eu receberia!

Sim, eu receberia as piores notícias, as piores dos seus lindos lábios. Porque nenhuma notícia deve se deveras triste na sua presença. Porque nenhuma tragédia é suficientemente desesperadora que me faça parar de te olhar. Independente da notícia, eu queria apenas ter meus olhos dentro dos seus como naquele instante em que te perguntei se você tinha entre tantos outros filmes e entre tantas outras promoções uma cópia qualquer a um preço qualquer de um filme maravilhoso que fala sobre paixões arrebatadoras como  a que senti desde o momento em que desci do carro e sentei na mesa. Antes de sentar eu notei que você me olhou, eu notei que você me olhou dentro dos meus olhos inquietos, e eu notei na quarta promoção  que não era apenas promoções, e eu quis verdadeiramente comprar alguma coisa, algum filme que ao menos te dissesse algo, mas eu não soube. Eu não soube fazer nada, além de pensar que era mais uma dessas paixões idiotas que me acometem durante o mês de agosto, mais uma dessas paixões platônicas - apenas coisas da minha imaginação. Eu perdi a esperança e agora só sobra um punhado amargo de falta de fé. Eu sei que não vai surgir, eu entendo que depois de um tempo a prosa não flui e basta apenas envelhecer, basta apenas esperar os dias se sucederem numa sucessão sem sucesso. E engolir para além da garganta a vontade de dizer que seria tentador te convidar para sair, mas eu confesso que eu não consigo fazer nenhuma conversa ser interessante, nada se prolonga para o segundo tempo ao meu lado...
- Sim é um filme da Camila Pitanga.
Eu podia ter dito algo mais interessante, algo óbvio, assim como você disse "Lindo título", eu podia ter dito algo, poderia ter elogiado seus olhos. A gente sabe quando entra no corpo do outro, a gente sabe quando as portas estão abertas, quando os olhos permitem a visita. Eu te olhei lá dentro e foi lindo, eu te visitei e quis fazer parte dessa história de vender cópias ilegais de filmes idiotas. Tão idiotas como esse meu pensamento de te querer uma vez, um dia qualquer, numa noite melhor que essa em que apenas te criei para mim, para minha necessidade de amar alguém.

sábado, 26 de maio de 2012



Um cacete para Eros!
Algo que lhe doa do ânus até a garganta. Uma coisa grande, incômoda, que não se vá mesmo com doses e doses de vodka barata. Uma punição para suas atuais trapalhadas. Algo que lhe mostre que tem feito burrada, que tem transformado o amor em caos. Porque eu sei, caro Eros por onde tem andado. Sei que um belo dia cheirastes até o pó enquanto dançava Man Down. Foi nesta noite que perdeste os pares das cartas. Ninguém percebeu que trocou todas elas milimetricamente marcadas, que numa confusão absurda jogou todas dentro de um saco e se foi esbravejando:
 - Cacete, mereço um tapa!
E a partir de então, tem tentado inultimente reaver os pares. Tentando transformar um ser em amado.   Que magia tem usado? Como tem ludibriado os otários? Será que só eu percebi que tudo tem desandado. Que tem unido pares desiguais. Que os amantes não tem se amado. Como sua flecha não tem entortado se a esmo atira na contramão e atinge qualquer transeunte desavisado? Como tem unido mãos de pessoas que nem se respeitam, como tem feito para que haja química em corpos que não se completam? Como tem feito para que assumam amores que ferem, desrespeitam, excluem passado, memórias, projetos e coisas mais. Porque permite que se prostituam para o amado? Por um trago, um carro, um pedaço de sanduba qualquer. Como tem unido tanta gente com a velha desculpa de que "opostos se atraem". Vai à merda com essa física barata. À merda com todas essas ideologias de que quem é contra as suas flechadas é apenas um invejoso mal-amado. Vai à merda seu anjo irresponsável. Mete essa sua maldita flecha no seu rabo! Porque eu espero avidamente ter sido esquecido naquele chão imundo, onde enlouquecida, com certeza, não deve ter olhado para todos os lados.

domingo, 13 de maio de 2012

Manifesto ao teatro IV

Essa semana entrei em profunda crise. Tatuagem feita na canela. Indicativo de que como as formigas, estamos apenas subindo. Nada no grupo internamente me irrita, mas algo externamente urra. Com um final de semana sem público em nossos dois espetáculos em cartaz  e prestes a comemorar dois anos na próxima sexta um desânimo toma conta do meu corpo e não me deixa produzir. Mesmo com uma puta oficineira com abraço de quebrar qualquer tristeza, com pedido de texto sob encomenda, com trabalhos paralelos, eu piro. E não se trata mais de não me identificar no movimento, nem de querer desistir. Trata-se de querer sobreviver frente à um turbilhão de incoerências. Trata-se de querer vender a boa mercadoria, de assumir a identidade, de querer encontrar aquele livro que te indicaram, de colocar os planos no papel. De tomar posse da minha autoria - e dos meus. Sim, é uma necessidade louca de convencer aquelas pessoas a irem conhecer teu trabalho. Uma vontade louca de não ser apenas trabalho de formiguinha. Trata-se de exigir que projetos coletivos não se arruínem por caprichos individuais de outros. De querer um espaço digno para ensaio, condições dignas para apresentação. Trata-se de não ter que tolerar um, insitir com outro, convencer aquele acolá. De não ouvir as mesmas idiotices daqueles que julgam conhecer mais e melhor apenas porque nasceram antes de você. De perguntar a todos que se dizem "artistas" porque eles não frequentam os teatros. De entender porque fazemos festival e para quem? E para quem estamos em cartaz? Uma necessidades muito grande de que as pessoas entendam que não me interessa montar espetáculos similares ao Zorra Total, pois prefiro a ausência de pessoas à esvazia-lás com babaquices. De querer formar grupos de discussão e até mesmo terapêuticos. Uma necessidade de que entendam que a forma com que me organizo não deve ser das melhores, mas que por ora serve a um ideal. Que entendam isso: há um ideal. De não pensar em sair dessa cidade para buscar conhecimento, mas de transformar essa cidade com conhecimentos. De não ter medo de choques elétricos, de atrizes vaidosas, de críticas daqueles que não produzem, de incomodar os reis. De acreditar que não há retaliações, conchavos, puxadas de tapete e de saco,  vingança, corrupções, cachês atrasados, discussões inutéis, repetições de ideias, homenagens vãs... E acreditar que há sim, culpa.

- eu assumo a minha.