quarta-feira, 31 de outubro de 2012

                                                                                                                            e ele não voltaria nunca. Enrolou um baseado nos dedos e prometeu em silêncio, nunca mais amar. Ele enrolou um baseado nos dedos calmamente, desesperançado. Ele enrolou um baseado nos dedos e se preocupou apenas em desamar. Assim, como quem cultiva um verbo. Assim, como quem apenas cultiva, ele foi desamando. Primeiro as cartas, depois as músicas, as roupas e os últimos arranhões na pele. Ele desamou qualquer lembrança, qualquer fato, qualquer cubículo onde se amaram. E dolorosamente acendeu o baseado e foi prometendo nuncamaisnuncamaisnuncamaisnuncamaisamor. Prometeu durante o tempo em que o fogo se estendia pela seda e queimava a erva e soltava a fumaça, ele foi prometendo enquanto expirava a fumaça. Ele foi prometendo e se perdeu nas promessas. E aos poucos foi comprometendo o futuro, as outras pessoas, comprometeu o sexo, o desejo, comprometeu o amor. Palavra riscada no amontoado de dor. O amor, palavra idiota em que acreditou. Palavra insana. E desejou que o amor fosse apenas uma palavra em aberto. Puro significante infértil. Esperou que assim como o amor foi, o amor cedesse, e se esgotasse. Assim como todo baseado que é tratado, aprisionado entre os dedos e acaba se transformando em cinzas. Esperou que o amor terminasse: pura cinza inútil.                                                                                                                   e o amor findou.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sem ar...

porque eu assisti um espetáculo
de teatro com nome de aula de química
e eu ainda não digeri nada.
Minha avó era asmática e eu me lembro de tê-la visto durante suas crises tentando incessantemente conter o ar dentro do peito. Minha vó tinha crises respiratórias terríveis, e sempre ficava internada, enfiavam agulhas dentro da sua pele e ela cuspia um caldo grosso e verde do qual eu tinha um nojo e imaginava as consequências terríveis de enfiar a mão dentro do recipiente onde ela colocava momentaneamente seus excrementos. Minha avó era uma mulher que viveu pouco, mas deixou marcas profundas naqueles que com ela conviveram. Mas minha avó não dançava. Pelo menos eu nunca a vi dançar. Ela sempre foi aquela mulher que trazia em si toda a imagem de liderança, respeito, e passava horas sentada numa cadeira de balanço - similar a um trono onde sentam as rainhas europeias. Eu sempre dancei. Desde criança pulava, ou estava no meio das rodas de dança. E durante minha pouca existência já dancei axé em festa infantil, macumba em espetáculo teatral, rock na areia da praia, tango improvisado em salas vazias, já pulei feito pipoca atrás do trio.  E quase todo o final de semana quero sair para algum lugar e dançar, dançar, dançar, dançar, dançar, feito a menina da música da Marisa Monte. Mas eu nunca dancei bem. Na verdade eu nunca dancei  satisfatoriamente.  E a dança eu não sei se era uma ânsia, ou apenas o desespero do peito. A verdade que além do sangue dentro da gente, a minha vó e eu tínhamos o mesmo desespero pelo ar que nos falta. Não, não herdei as crises respiratórias, mas herdei todas as outras crises. De sonho impossíveis, ideais utópicos, necessidades extravagantes, e de espaço, espaço, espaço. E com o passar dos anos, a cidade foi ficando pequena, a mente das pessoas ao meu lado foram ficando pequena, os livros foram ficando pequenos. E eu comecei a buscar o ar em drogas, garrafa de vodka, amores heterossexuais. E as minhas crise se tornaram patológicas e eu cansei de dançar. Minha avó não dançava, agora eu compreendo, lhe faltava o ar. Eu não danço, agora compreendo, me falta o ar.
 
 
 
 

sábado, 6 de outubro de 2012

Aos amigos que sumiram...

Sumi, também. Dei um tempo. Perdi as esperanças na espera e resolvi me jogar em caminhos que não sei onde vão dar. Conheci tanta gente, tanta. E algumas delas me olham com olhos de expectativa. Muitas delas, agora, não me deixam encostar a cabeça no sofá e esperar doer. Larguei os amores, a prostituição, as drogas, permaneço apenas com o vício de me repetir. Fui atrás de ser mais humano, de ouvir os anseios, de projetar. Corri atrás de outros sonhos e me aluguei para sonhar tal qual a personagem do Gabriel García Marques. E deixei a saudade num canto, junto ao mofo, as roupas sujas e aquele livro do Tolstói que ainda não li. E fui - coração em desalinho - seguindo. Fui deixando  os amores sem resposta, o corpo sem cuidado, catei os restos e trancafiei as feras no armário! Acho que cresci! Dou respostas, pego responsabilidades nas costas e às vezes ainda me pego repetindo assim: "Pode deixar, tudo vai dar certo e a gente vai ser feliz". Minto. A lacuna permanece, mas eu apenas não deixo ela ocupar todo o espaço. Ao lado, deixo o sorriso do menino que se espanta com as possibilidades, o alívio de quem desabafa com uma cadeira, e as lágrimas de quem sente uma saudade da gota serena, e me faz lembra de vocês. E vou vendo que em outros corpos, em outros planos eu me realizo também. Vou vendo que nem sempre é possível estar perto e a gente tem que se contentar com o que tem. Respiro melhor, e se a escrita está fraca é porque as manhãs estão ricas.