Se não for para doer, para quê? Para quê amar? Para
quê gostar de você se passar a não doer? Se apenas eu passar a amar? Se eu
gosto desse desgosto de continuar a te querer mesmo com o passar. do
tempo. E já faz tanto. tempo. Que eu
gosto de sofrer, que eu gosto de amar. Há mar. Há muito mar nesse amor que não
passa nem pondo o coração na brasa, sangrando. Sangrando, eu sei gostar, sei
amar, sei amarrar as ideias, e sei fazer da escrita- resgate. Te amando, eu
deixo a pieguice toda para o dia a dia e a única parte que fica é o meu olho em
busca do teu olho preto que se desloca agilmente nesse imenso branco que sobra
na sua face. Puro labirinto. Perdição. Foi tentando te olhar nos olhos que o
Saramango inventou a cegueira leitosa. Foi tentando te olhar nos olhos que os
poetas – e os profetas – se inspiraram em desgraças. Teu olho é o olho do
furação – minha desgraça, meu desafeto, a eterna solidão. Eu te amo, idiota.
Com a incerta certeza que eu preferia não sentir nada. Para quê? Para não
sofrer? Para vegetar. Para plantar begônias e ver como elas amam suas
congêneres, para me contentar com a punheta diária, com os amores alheios
babacas, com os babacas que não entendem esse jogo que é te amar. Um jogo onde
eu sempre me fodo no final. O jogo que consiste em te olhar à espera. De que
você olhe dentro do meu olho-misericórdia meu olho-cachorro-abandonado meu
olho-sem-graça-sem-cor-sem perdição. Meu olho-babaca que sempre te olha e
espera a derrota que é o teu olho me olhar.