terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Não acredito - ela bradou sentindo falta de ar: tossiu. - Isso, essa porta sempre aberta, vinho sempre posto sobre a mesa, essa conversa agradável e esses incentivos, amor. Não consigo amar com incentivo. - Escorregou pelo dedo o cigarro. Gostava de roçar o filtro em na carne dos dedos. Sentia-se humana.
Ele não olhou, virou pela garganta mais uma dose e lambeu as pontas dos dedos. Era sempre o sinal de desagravo, durante as brigas. Simbolizava a indiferença, representava a imagem de desaprovação aquelas palavras ditas por ela.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Manifesto ao teatro II


Que não tenhamos que sofrer tanto para demonstrar nossas capacidades! Que a recompensa venha e acabe com toda forma de escravidão e prisão de sonhos que se sonha. Que não precisemos nos desiludir cada vez que haja uma partida, e que não temamos a partilha. Desejo o coletivo não imposto, mas participativo. Herói de comunidade sempre se torna um covarde na História. Não quero discutir politica, sejamos apolíticos para politizar. "O teatro não deve ir ao poder, mas sim o poder ir ao teatro."* Preciso de mais oportunidades entregues realmente, não seguidas de desconfiança, desrespeito e humilhação. Quando verdadeiras pessoas de teatro vão surgir para me tornar um verdadeiro ser humano de teatro? Quando entenderemos que atuar não é um favor, nem divertimento -apesar de divertir - e é um trabalho, que cansa e precisa ser pago, se não com honorários, - o mais justo - com dignidade, gratidão e respeito. Quando ser apenas artista vai bastar? Desejar mais de um artista que sua arte é não entender a concepção de um e do outro e não perceber o quão importante é o seu trabalho. Porque artista é pau pra toda obra sem precisar assinar ponto, nem ser supervisionado. Quem supervisiona simplesmente não faz. Não faz arte, nem coísissima nenhuma. Apenas assina ponto...Quem sou eu? Pra quê falar dos meus títulos! Há poucos sim, mas há cinco anos de muita imaturidade superada, de muita corrida atrás disso que queremos e de conquistas boas, em prol de um coletivo que não é meu.
Se é ressentimento, rancor, despeito, dor de cotovelo? Não. È apenas memória sendo feita. Porque um dia alguém vai ler isso e perceber o quão cruel é o mundo lá fora que não permite que cresçamos aqui dentro. A culpa é de muitos, até se chegar na injustiça de hoje, com o estopim doméstico, há tantos setores, tantos absurdos, tantos sonhos aprisionados e escravizados por tantas mãos que nunca vi. Se há vontade de parar, de desistir, de esquecer? Há. Muita. E não é covardia, falta de senso, preguiça... É apenas um ferro que dilacera o peito há anos. Que nos deixa um bagaço como puta velha, como a Neusa Sueli. Porque cansa acreditar no outro, e desacreditar sempre. Cansa ver tanta gente sendo iludida, enganada com falsos talentos. Vá ver que estou nessa legião de enganados. Eu quero um pouco de honestidade para a gente, nós todos, que lutamos a ferro e fogo e sempre nos fodemos com o cú do outro na mão. Porque no nosso há sempre mais merda não é mesmo?
Quero mais vontade de vencer, de criar, de permitir ao outro a viagem. E se caso haja poltrona para outras pessoas, porque não embarcamos? Ora, seria tão simples se permitissimos à todos conquistar seus sonhos. E viajaríamos muito mais. Não há apenas uma forma de fazer. Não há apenas uma palavra última monárquica intransigente. Quantas vezes calei por respeito, não a representação de outros, mas respeito aos seus sonhos, às suas vontades. Sem que para isso julgasse seus meios. Hoje sei que influência é uma via de mão dupla. Mas má influência nunca cometi. Não aqui, nesse sonho que sonhei junto-sozinho-junto-sozinho.
E se acaso decidi que não vale mais a pena, valeu muito até agora. Certas certezas não se apagam. Mas chegou a hora de relembrar o menininho que se via na revolucionária da escola, que não admitia injustiça, preconceito. Hora de perder, pra ganhar em outro lugar

*Ilma Fontes
** Qualquer coincidência é mera semelhança

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009


Você já saiu de casa? Arrumou suas malas, ou foi posto para fora?
Quando era criança eu tinha essa mania. CHorava horrores. Aos prantos ia jogando as roupas dentro da mochila: shortes, camisas, cuecas, escritos. Jogava tudo dentro, mas não fechava o zíper. Sentava e enxugava as lágrimas amargas de um filho incompreendido. Então, minha mãe vinha sentava ao meu lado e me dizia algo reconfortante. Quando era meu pai, mandava que tomasse um guaraná com biscoito recheado. E aí eu me conformava, a rua era perigosa, não tinha dinheiro e os amava. Além do mais adorava guaraná com biscoito recheado.
Agora, é a hora de arrumar as malas, mas não há shortes, camisas, cuecas, escritos. Há apenas algumas técnicas incorporadas ao corpo, algumas certezas de vida que serão postas à prova. A convivência com duas ou três pessoas adoravéis. Não verei mais os defeitos de Cacilda Becker, não ouvirei os sábios conselhos do velho-novo autor, não compartilharei do silêncio mais reconfortante de uma peste.
Seguirei dias mais amenos e poderei conferir aquela série de tv tão querida, receber familiares com calma, discutir em sala de aula as leituras da véspera, escrever bons artigos científicos - pena que não dá mais para tirar um 10 no James - . Poderei ficar de bobeira, ler um romance de Veríssimo. Sonhar mais com meus próprios projetos. Montar as bonecas de Luzinete, porque não? Correr atrás dos velhos amigos e implorar atenção. Engordar alguns quilos. assitir sessão da tarde, me irritar com o tédio do domingo, escrever algumas cartas (escrever um conto, escrever um romance que não terá fim, escrever uma nova peça que será engavetada até que outra seja escrita).
O que não pode acontecer é sentar, enxugar as lágrimas, esquecer as afrontas, deixar o zíper aberto, contentar-se com migalhas. É preciso sair de casa dessa vez. Não compactuar mais com a representação equivocada de um pai. Dar adeus a um trabalho sem recompensa moral, nem ajuda de custos. Não precisar medir palavras. Crescer. E te deixar aqui... afundando.



terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Uma história de parafusos

Certa feita, eu me assustei com um livro didático de História. Falava da industrialização no tempo das grandes guerras, e mostrava com todas as letras que os trabalhadores serviam apenas para apertar parafusos, e por isso lhes era negado o pensamento crítico. Então, tentei uma área que não me colocasse nessa posição, mas percebo que nela sou o próprio parafuso. Este que ao afrouxar deve ser substituído por outro, que não esteja enferrujado das maresias que desgastam qualquer integridade física química, e principalmente psicológica.
O caso é quando a ponta e as curvas do parafuso se adaptam ao buraco em que viveu socado. Quando está impregnado de poeiras das indústrias fétidas e sabe que não servirá para outra martelada, e o que lhe resta então, senão sucumbir à caixa dos parafusos usados que passam os dias ameaçando greves contra os industriais. Greves que nunca saem dos sonhos porque os parafusos precisam da aceitação de todos os membros parafusos que se negam por estarem profundamente socados no velho buraco que a cada dia cresce e se distorce.
È quando o atual parafuso passa a velho e esbarra no antigo, mais velho ainda, que zombeteiro deseja dias piores por não ter cavoucado em mais poeira. Com o tempo passa a esperar que o novo parafuso envelheça e seja retirado do seu posto na mesma condição.
O mais triste não é a propriamente a substituição, mas os momentos anteriores a ela. O momento em que se adquire o novo parafuso, a hora em que lhe tira o objeto que sustentava durante todos os dias. E o mais temível a chegada do martelo para lhe retirar do trono e martealienar o novo parafuso. O parafuso velho nunca é jogado fora, apenas vai parar numa caixa de costura, numa velha gaveta, sonhando ter serventia ainda.

ps: Apenas uma metáfora para dizer que o fim chegou e não há mais pão doce!