sábado, 25 de dezembro de 2010

Para Núbia Marques, com carinho

Quem chamou quem, afinal?
Eu sei que também estava viajando nessa ideia de meu corpo ser casa com ferrolhos e fechaduras dantescas. Também estava pedindo uma visita urgente, reclamando aos passantes pela degradação. Esse meu corpo-casa cansou de abrigar (des)conhecidos. Hoje ele espera pacientemente o novo. Aquele que estar por vir e traz a fórmula mágica para curar todas as dores da alma. O que vai se tornar igual a tantos com o passar dos dias. Igual por não desbravar os corredores dessa casa, não atingir o alçapão, não desfrutar o desconhecido.
Minha geração também leucemina-se.
Deve ser por isso que expulsei todos os moradores. Sou eu quem abre a garrafa da cerveja e despeja pacientemente no copo, torcendo para que não se forme a espuma. E com esse líquido vou limpando o piso e as paredes intestinais, vou banhando tudo com álcool. Esperando que algo esfregue o vassourão. Eu, sozinho, a tomar a cerveja gelada num dia de sol de dezembro. A casa vazia. Os corrimões sujos, a escada inutilizada. Ninguém no primeiro andar.
E assim durmo, e assim acordo e vou tecendo as imprecisões todas as manhãs. Pura manha de quem dissimula para ninguém. Reparando nas paredes infiltradas, vendo os medos escorrerem até a planta dos meus pés.
Vou seguindo, desabitado. Assobio uma canção que aprendi na infância, finjo que nos braços há alguém que estar para dormir. Mas sou eu que adormeço, com a casa lacrada. Com os passos na calçada, de outrém.

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