sábado, 1 de novembro de 2008


A primeira vez que a vi, ou que me lembro que vi, ela usava um vestidinho rodado de menina, não sei se xadrez, se preto com branco, mas havia algo vermelho nele, não sei se a fita que envolvia a cintura de menina, um dia mulher... Estávamos numa igreja que nunca havia frequentado, uma igreja simples e tão fictícia, que não me parecia real. Nosso tio comemorava bodas de esmeralda, e ela compenetrada assistia a pregação do padre, ao lado daquela prima mais velha que meu pai, que parecia a deter de qualquer impulso infantil num lugar sagrado... Como se ela fosse capaz de cometer qualquer gesto que não se adequasse a princesinha que ela representava. Uma princesa que me fascinava e que me fazia ter vontade de me aproximar, de puxar conversa, de trocar alguma informação que durasse durante a semana, quem sabe trocar telefone?

E não sei se após tanta tortura, depois da missa, ela e a prima parou para nos cumprimentar, se a olhei de perto, se sorrimos um para o outro, se ela me achou idiota, se percebeu a minha agonia naquela calça de pano preta que hoje adoro, mas na época me agoniava. Sei que não houve nenhuma palavra dita. Foi uma paixão platônica, mesmo antes de saber quem era esse tal Platão. Durante alguns dias pensei nela com saudades e esperanças. E sonhava em revê-la, para dessa vez pronunciar alguma coisa, para dessa vez dizer algo a mais que não o silêncio. Para quebrar aquela amizade de palavras não ditas. Durou alguns dias e passou... Como se passa todas as coisas que não se acercam da nossa rotina - que naquela época é como a de agora - uma bruta merda - esqueci! Lembrava-me apenas quando ouvia pronunciar nesse ramo da família que não mantinha nenhuma contato.

Numa última festa que fui dessa enorme família, ela estava lá, linda e completamente loira, num vestido branco e curto que a deixava radiante. Novamente quis puxar conversa, quis manter contato, dizer alguma coisa, provar existência, mas essa timidez colossal não permitiu e fiquei calado. Ela se aproximou da nossa mesa, cumprimentou a família e, principalmente se referiu a meu pai efusivamente, lembrando de seus jipes, de alguma possível volta que deu, e olhando para mim, disse que se lembrava da minha existência, será se já nos falamos algumas vezes? se brincamos? Não sei, apenas me senti imenso diante daquela lembrança contrapondo a ideia de inferioridade que sentia diante daquela mulher linda e loira que tinha mudado tanto durante esses anos. Mas continuava a me fascinar, a remexer na minha alma. E na pista de dança dancei, e a vi dançar, parecia que só havia nós dois naquele salão, o desconhecido marrento cabeludo, e a menina mais linda que liderava a beleza opulenta da família vasta, e que me é tão desconhecida. Novamente voltei sem uma palavra trocada, não era mais um menino bobo, não alimentava nada mais do que a certeza de que ela possuía uma beleza imbatível. Dessa vez não demorei a esquecer - a rotina estava um pouco mais agitada.

Semana essa que passou - a rotina voltou a ser uma merda - fiquei sabendo que ela estava na UTI, tinha sentido uma dor de cabeça repentina, e estava no mesmo hospital onde eu estava com meu tio, pensei em perguntar sobre o caso dela a alguma enfermeira, saber noticias, quem sabe visitá-la, encontrá-la irreconhecível em sua beleza, mas viva, e dizer em seu ouvido, quem eu era. Um primo distante, que se impressionava com a postura dela numa missa, e que se sentia um tolo por ter sido lembrado em uma festa. Mas então, soube que ela não mais respirava, que já havia sido sepultada. E eu quis ir no velório, quis conferir pela última vez a sua beleza, ver o enterro, quem sabe segurar... Mas não fui, e hoje resta apenas a lembrança e a necessidade de encontrar a foto dela em orkut's desconhecidos, para que essa reminiscência me ocorra sempre, e não seja esquecida em meio a rotina

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